EDGAR M.
Portugal. Dezembro: época natalícia.
Edgar levanta os olhos do balcão. As portas abrem. Dá começo ao monólogo. Por vezes fala para o Diabo. Por vezes, fala para os esfomeados…
Edgar: Primeiro, uma adivinha: qual a altura preferida de um capitalista? Feliz Natal!
–
Edgar: À altura do balcão temos visão de dois terços do estabelecimento. Vestiram as paredes a preceito, claro. O medonho verde, dinheiro verde, aparece em cena à hora combinada. Um pouco fabril, um pouco anos cinquenta portugueses. Vendemos a tradição e, a acompanhar, uns brócolos estrangeiros. A tradição faz-se valer! Contas certinhas, mal contadas, mal chegam antes do dia oito, mas justas aos olhos dos grandes do tridente de oiro. Tostões para os colaboradores e os milhares? Como se declara?
Diabo: Inocente! Há que sobreviver! -Diz o diabo de duas pernas, dois olhos, duas mãos. -Vive-se mal com os milhares.
Edgar: Ah, sabe a pouco, correto? Em vez de duas casas têm-se uma. Injustiça!
Diabo: Cambada de ignorantes.-Conclui o senhor de fato vermelho.
Edgar: Obrigado, volte sempre!
Edgar: Em suma, um tanto artificial, só para as vistas. Fica bem na capa do jornal regional. É fachada, tudo fascínio, tudo fachada. E alguns adereços.
Edgar: Entro em palco ao meio dia, são nove da noite, de um dia de dezembro. A esta hora começamos a pensar no jantar que tivemos às seis, contadinho para não levar o chão à falência.
-Levanta-se. Começa a andar com uma bandeja na mão.-
Edgar: Sirvo o jantar ao casal da mesa seis. Bom apetite!
-Afasta-se.-
Edgar: E como é engraçado servir outra pessoa! Uns tornam-se figurantes, histórias enriquecedoras do mundo envolvente. Outros, atiram os tomates, que apesar de tudo, encontram-se muito bem cozinhados pelos colaboradores de segunda! Mas atiram-nos à cara dos seus servos.
-Apanha um tomate que lhe cai ao balcão e devora-o.-
Senhora: Está muito duro, por favor, corte-me a carne.
–
Edgar: “Hora do fecho” lê-se onze horas no papel insignificante colado à porta que serviria para proteger o nosso trabalho em palco. O relógio marca onze horas e trinte e seis minutos.
Senhora: Mais um copo, por favor. – A senhora leva três dedos ao ar.
Edgar: Rio-me. E desfardado, a marcar a hora, levo dois copos, delicadamente cheios.
-Silêncio-
Edgar: Agora, cada um por si. Porque apesar de sermos críticos justos da mesma imagem, há outra vida para além das grandes janelas. Ser egoísta, ser como o senhor ao trono, parece o caminho mais fácil.
-Pausa-
Edgar: Estamos cansados.
–
Edgar: Faz-se milhares, ganha-se o mínimo. Quanto às horas extra?
Diabo. (ri-se) De vez em quando atiro ao ar, se cair no teu copo, tiveste sorte!
Edgar: Muito obrigado! Vou fumar.
-Sai de cena. Na estreita rua, prepara um cigarro.-
Edgar: O último cliente sai. Vejam, parece satisfeito.
Senhora: Muito obrigado. -Grita em direção ao meu colega.
Edgar: Ele responde-lhe, mesmo no durante o seu monólogo privado. A senhora sai, olha-me nos olhos. Acredito pensar, “Ah, quem é este ser que me é tão semelhante! A sua cara não me é estranha!”
-Olhos nos olhos-
Edgar: Boa noite.
-Afastam-se-
Edgar: Não me reconhecem. Nada sabem. Não fazem o esforço por saber. Vestem vermelho.
–
Diabo: É natal! Somos família!
FIM