Por Ana Marques Nogueira
Coleção de poemas
Prólogo
Sobe a cor do cigarro ao candeeiro rigorosamente pousado na vertigem do isolamento Percebe a sensação nervosa que prevê a chegada imposta aos joelhos nus, A todo um corpo envolto em fumaça (o vício de tropeçar o tempo pelos dedos aliciantes) Dos ladrões de quiosques, dos amantes Malformados Dos telhados de madeira podre do último ano -O sabor a pólvora que dança das bocas ao papel doloso, armas caídas, armas ao chão!!! A imagem ansiosa espelhada nos contornos dos lábios Nesta música frenética, de farpas episódicas De lembranças anteriores ao acontecer O filme... (O tímido embate das notas, o desejo silencioso Da verdade Embelezada a cigarros meus, ou emprestados, pobres, indiferentemente construídos na dissipação do sabor A recente imagem à pastiche do desejoso silêncio Da verdade) Na enumeração intrusiva destas sete horas da tarde dá-se este teatro da espera Ludibriado pela escrita Acompanhado de um jazz nu, crespo, dormente, trémulo...
I. Aproximação
Relatos de um inferno metafórico pelas janelas do primeiro andar: Imaginem o desassossego como o bem existir pelas marcas na pele que permanecem das quedas ou das mãos Que cedem o toque à desordem Com os vinte graus de março a custar a visão aos que decoram as linhas para no retorno da noite, apoiados às cegas Às paredes Às palpitações Encontrarem a separação no encontro dos lábios -A sentença do corpo ao choque da atração No decorrer das falas improvisadas... existe um inferno que é retrato do abismo Que ecoa o encontro Sempre Desencontro Nos cinco copos de restos bêbados No desgaste No esquecimento No vértice da tua face onde corre o pensar impetuoso Da despedida necessária à recordação que se constrói, veste-se de linguagem e fala a tua língua quando descobre a marca do toque deixado para morrer No corpo do poema
II. Um lugar
Na vertigem dos olhos fechados Repousados no sabor De vir a ser Porque na queda No limite do comprimento Calculado No fumo do cigarro Intencionado Voltava a ilusão Do Controlo Do mágico
III. Derivações
Derivações: O desvio o desvio o desvio Olhou pelo lado esquerdo, para guardar o coração, O fígado Os rins Partiu do princípio do desvio e recusou cair Ou chamar-lhe de queda Pela atenção Aos devaneios ou derivações, trabalhados ao acaso -E eu tanto tombo!
IV. Apogeu
Noto Serem precisos Dois dedos (esfolados) De testa Para articular O Fumo Fantoche Desta boca para a imagem Da boca Que consola o cigarro da imagem Dos dedos Que tocam as palmas À procura Das marcas Dos SINTOMAS do desassossego ou Da figura do querer -No cruzamento Faz meia volta Persegue o ar do cigarro que tampouco fumo Ouviste o som do tiro? (…) Dois dedos em mel Azedo -O carnífice dos recordos-
V. Ressaca
Uma saudade que escalda, que anseia as pernas Hesitantes, o toque suado ou o Café moído da mercearia da esquina De beber com as aranhas E declamar o teu gosto A floral ou teatral abismático Truque dos caídos
VI. Segunda tentativa de aproximação
Uma imagem nítida colada ao crânio empoeirado Da luz que se cansa de ser na pausa das respirações, De olhos quebrados Torna-se claro o dia arrastado Pelos cabelos Pelo toque que em mim se vela E nos des-cobre Torna-se claro O dia E a fuga -Gosto de te procurar de olhos fechados De mãos abertas De lábios fodidos, ou abertos Como foram encontrados E da imagem cerrada, um nó da garganta! Das palavras que abres pela Ponta dos dedos A marca a dor o teu nome Guardado no céu da boca Para enganar o relógio Com o afeto dos bichos Notívagos
VII. Ode aos velhotes
Imaginar uma vodca Com tempo ou maturidade É criar um estilo De objetos ébrios Na sobriedade juvenil Na emoção em carne viva Por isso brindamos o vinho que respira ou deixa-se inspirar E o sangue matutino É reflexo da Beleza imprudente Se tal for fachada Damos consentimento Ao senhor do tinto Peço a tua mão De volta aos anos em ferida Despidos O copo transborda nos lençóis -Os velhos, velhotes, velhinhos Fôlegos da desordem
Epílogo
Como despedida decido prolongar-me Para encurtar a distâncias destas palavras Como se para lembrar tivesse, inevitavelmente E constantemente de escrever no espaço -abandonado- Pressionar a ferida aberta com o dedo Que guardava o lume, ainda lume, para lá das portadas -Tenciono voltar a ferir para decorar o toque das manchas, impressões, devaneios, breves chamas abstratas Encontrar o senhor do jazz, Pintar-lhe a porta de vermelho, torcer a língua A calar a imagem, esculpir o som das cartas Acordadas: ainda quatro da matina -Imagino o barulho do isqueiro. Que brinca às trevas. Ainda brinca-
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